quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Um grande mal estar

Em lugar como o que vivemos hoje, é muito fácil perdermos nossa humanidade, nossa empatia. Me tornar uma pessoa desprovida de sentimentos nunca esteve nos meus planos. Principalmente porque eu já me considero alguém um tanto frio. E, neste sentido, sempre trabalhei formas de tentar ser alguém que se preocupa com os outros. E tinha uma certeza firme que estava, aos trancos e barrancos, mantendo-me no caminho certo. Até ontem a noite, quando percebi que estava redondamente errado.

Parado em uma das inúmeras ruas boêmias de Porto Alegre, vejo um mendigo. Um gurizão que não deveria ter mais de 20 anos. Pedia dinheiro às pessoas na rua. Parou do meu lado e disse algo como:

- Sr., tenho vinte centavos. O Sr. não me consegue mais noventa centavos pra eu comprar uma bolacha?

Meus últimos quatro reais estavam no bolso das calças junto a duas moedas de dez centavos. Chegou a me passar pela cabeça que o rapaz realmente queria a bolacha. Mas esse pensamento logo foi soterrado por um simples e contundente 'nah'.

E, pensando que com aquela grana eu poderia comprar uma cerveja ou um cigarro, preferi repassar os vinte centavos a ele, para que ele comprasse as 'bolachas' (que para mim poderia ser um tiro de trago, alguns cigarros avulsos ou um engorde pra uma pedrinha, menos bolachas).

Sentia-me com o dever cumprido. Sei como é não ter dinheiro para uma cerveja, para um cigarro e sempre procuro contribuir com alguma coisa. Segui meu caminho, crente de que dentro de mim batia um coração cheio de amor (hahahahahahaa). Até esta manhã.

No caminho até meu trabalho passo por um rapaz deitado sobre um pedaço de papelão, em uma rua próxima a que havia ocorrido a situação anterior. Estava longe demais para conseguir distinguir. Como o local onde ele estava deitado fazia parte do meu caminho, passei ao lado dele. Olhei para baixo e vi o mesmo rapaz que havia me pedido os noventa centavos. Estava dormindo e, ao lado dele havia uma pequena pilha de biscoitos.

A única coisa que consigo pensar, depois que vi aquilo, é que talvez não tenha forma de não nos tornarmos (pelo menos eu) pessoas frias e desumanizadas. Talvez estejamos realmente fadados a vivermos em um mundo onde a indiferença e a frieza governam tudo. Onde a preocupação com o outro, com o mais fraco, inexiste. Onde as únicas coisas que valem são o dinheiro, o poder a o egoísmo.

Ainda há a esperança de que isso seja algo que acontece somente com algumas pessoas - e aí terei que me incluir entre elas. Soa amargo e decepcionante. Mais é mais fácil de suportar. Afinal, como nossos filhos viverão em um mundo que realmente está perdendo valores básicos de convivência e sentimentos que sempre foram inerentes a nossa espécie?

Um comentário:

carolinda disse...

ui fagner, parece historinha lendária esta tua, me arrepiei e olha, descompasei meu coração quando vi que ele tinha mesmo comprado os biscoitos, e quer saber, mesmo se fosse pra drogs, sendo elas ilicitas ou licitas, eu daria no mesmo, porque é a unica fonte de prazer deles, e, enquanto a redução de danos não fizer efeito, pelo menos eu ajudo-os a sentirem-se felizes com suas escolhas. e esta coisa de generalizar que tds se drogam e vivem disse, é coisa de preguiça mental.
nossa amei mt o texto.