Sofro de um problema oftalmológico bastante incômodo: o ceratocone. Consiste, basicamente, no afinamento da região central da córnea, fazendo com que ela se deforme e ganhe um aspecto parecido com um cone. O problema, obviamente, afeta a visão em maior ou menor grau e, dependendo do avanço da doença (se é que pode-se usar este termo), existem formas de tratamento: desde a utilização de lentes de contato rígidas de gás-permeável até o transplante de córnea.
Minha história com o ceratocone começou pouco antes da metade de 2008. Sempre tive problemas com meus olhos. Coceira, crises de conjuntivite e inchaços sem causa aparente eram frequentes. Aquilo me incomodava, mas não tanto quanto no dia em que comecei a sentir minha visão meio turva. No começo pensei que era algum tipo mais grave de conjuntivite, cuja secreção embaçava minha visão. Uma consulta na emergência de uma clínica especializada e lá estava eu - mais uma vez - com uma carga de colírios. Que tanto efeito quanto usar sacos de areia para aterrar o mar.
Continuei minhas consultas naquela clínica, com a mesma oftalmo. Fiz exames de fundo de olho, exames de contraste para verificar alguma anormalidade em alguma região profunda dos meus globos oculares, exames que me deixavam com as vistas tão cansadas que era necessário levar alguém comigo nas visitas a hospitais e clínicas e ser trazido de volta como um legítimo cego. Mesmo assim, não desisti daquela médica.... até o dia em que ela sugeriu que meu problema era PSICOLÓGICO. Eu não tinha nem um problema na visão e ela disse que, inclusive, minha visão parecia menos 'borrada' do que na consulta anterior.
Era o momento de cair fora. Mas eu não sabia mais para onde correr. Havia passado por, pelo menos uma dezena de especialistas nos últimos anos e meus olhos iam de mal a pior. Lembrei de dois irmãos que possuem consultório no bairro Bela Vista, zona nobre de Porto Alegre. Dois tipos muito esquisitos com os quais minha mãe se consultou por um bom tempo e eu tivera uma breve passagem. Marquei a consulta esperançoso, mais uma vez.
Chegando lá, fui prontamente atendido. Algo que eu percebi, com o passar do tempo, era que eles nunca se atrasavam. O irmão que me consultou diagnosticou um quadro grave de conjuntivite que precisava ser tratado imediatamente. Antes, no entanto, escutei uma coisa que achei engraçada e me fez pensar que o médico não estava falando comigo: que cone, hein? E, depois, como se estivesse falando para si mesmo, completou: tu tens um ceratocone em estágio bem avançado no olho direito, querido.
Disse aquilo com tanta naturalidade como se imaginasse que eu tivesse a perfeita idéia de ter uma coisa daquelas. Obviamente eu, com um diagnóstico anterior de cegueira psicológica (ei, Saramago, olha eu), não tinha a mínima idéia de que diabo era aquilo. Mas, como estava em um consultório médico, imaginei que não era algo como um novo tipo de sorvete em forma de cone e perguntei O QUE ERA UM CERATOCONE?
Depois de toda a explicação que está no começo do post - com acréscimo de detalhes que explicavam que minha visão de assemelharia a de uma pessoa que possuísse alto grau de astigmatismo e que a doença poderia progredir - ele me explicou que antes de começarmos a trabalhar no ceratocone, deveríamos tratar da conjuntivite. Saí de lá com uma preocupação a mais - a porra do cone; um alívio - de ter descoberto a causa do problema; e uma receita com mais coisinhas para pingar no olho.
O tratamento da conjuntivite durou cerca de seis meses, ao invés dos 15 dias inicialmente previstos. A bactéria era tão resistente que foi necessário utilizar um medicamento que não recordo o nome mas que é um antibiótico de reserva. Isto quer dizer que se aquilo não matasse a bactéria, nada mais mataria e eu teria uma companheira me enchendo o saco para o resto da minha vida.
Feito isto, partimos para o ceratocone. Primeiro, um exame chamado topografia, que apresenta um 'mapa' do relevo da córnea (o resultado também aparece em forma de dados). No exame do olho direito, o equipamento não conseguiu criar o tal 'mapa' pois o cone tinha dimensões que extrapolavam a 'cartografia' do negócio. Na época, a topografia serviria para verificar o 'tamanho' do meu cone e para a confecção das lentes de contato que eu deveria usar.
As lentes prometiam ser a salvação. Mas quando foram parar nos meus olhos, vi que tudo não passava de propaganda enganosa. Dois pedaços de vidro côncavos enfiados dentro do teu olho. Claro que a visão melhorou consideravelmente. Mas não a ponto de me fazer acreditar que eu conseguiria ficar com elas por muito tempo. Nunca queiram saber a sensação de uma pessoa quando existe um pedaço de vidro tentando perfurar o globo ocular dela.
Mas esse era só UM dos problemas. A coceira era insuportável o que fazia com que muitas vezes eu tirasse as lentes do lugar - e deu sabe onde elas iam parar. O pânico quando se desloca uma delas vem de duas formas. Pela dor, quando a lente cai em algum lugar MAIS sensível do olho e tu não sabe se não é melhor arrancar o olho fora. Ou pelo pavor de ter perdido uma daquelas merdas - que são caríssimas. Porque quando elas param em algum lugar que não dói, a pessoa não sabe se elas AINDA estão no olho ou se decidiram 'pular'. A situação é um pouco mais deplorável quando isso acontece em lugares como ônibus, trens, lojas e outros locais públicos.
Mesmo assim, acho que o pior de tudo diz respeito às secreções. Indivíduos com ceratocone normalmente - não sempre - sofrem de problemas alérgicos. O meu quadro alérgico era grave, segundo o oftalmo. Eu tinha CONJUNTIVITE ALÉRGICA. Já não me bastavam TODAS as conjuntivites que já experimentei, Agora era a vez da alérgica. E alergias, não sei se vocês sabem, não têm cura.
Bem, as secreções. Como pequenos bichinhos com garras, elas se fixavam nas lentes, embaçando a visão como se alguém tivesse dado baforadas nela. Além disso, me deixavam com a sensação de ter um problema eterno de remelas. Ainda tem um outro sintoma, que é o pior. Mas é algo tão ruim que não sei explicar.
Comecei o tratamento e, é claro, não estou conseguindo segui-lo. As lentes passam mais tempo nos estojos do que nos olhos e, quando saem, voltam rapidinho para o esconderijo. Sei que não sou uma pessoa muito tolerante a dor. Mas, realmente, não rola de ficar com elas.
Agora, meu olho esquerdo, que foi presenteado com um cone em estágio inicial, começa a dar sinais de avanço. E, embora eu tente passar uma imagem de que estou indo muito bem, de que ficar cego aos 26 anos faz parte da vida, eu estou - há meses - desesperado. Quando escolhi minha profissão - de jornalista -, aos 17 anos, o fiz apenas pelo imenso prazer de ler e escrever. E estas não me parecem atividades praticadas por cegos (já tenho, inclusive, dificuldades em ler algumas coisas ou em escrever, em determinados momentos). A perda da visão também transforma a pessoa em alguém atrapalhado, o que, no meu caso, poderia me tornar num perigo indescritível para a sociedade.
Mas, enfim, ontem procurei um outro médico, para tentar uma segunda opinião. Recebia a notícia de que as lentes eram realmente o tratamento correto mas foi reconfortante saber que eu não sou a única pessoa que não conseguiu se adaptar. Passarei por novos exames para que se tenha noção exata do estágio do meu problema. Mas o oftalmo garantiu que o olho direito é de transplante.
Isso era o que eu queria ouvir há muito tempo. Transplantes de córnea são os mais simples que existem: a taxa de rejeição é muito baixa, a recuperação é fácil, não é necessária internação. Além disso, o tempo na fila de espera é relativamente curto, em torno de um ano e meio.
Depois desta boa notícia fico realmente pensando se tenho o direito de estar chateado. Em um ano e meio eu deveria estar me formando na faculdade e concretizando o projeto que eu estou há anos trabalhando para que se realize: sair de casa e viajar. Morar no exterior.
Mesmo assim, gostaria que as coisas fossem mais simples. Mas, enfim, Ces't la vie.
Isto é só um desabafo, já que é complicado conversar isto com outras pessoas. Não há necessidade de se preocupar. Ainda assim, me sinto melhor que boa parte das pessoas que eu conheço. hahahahahaha