Ontem, os holofotes se voltaram mais uma vez sobre Maria Bethânia. Infelizmente não foi o talento como intérprete que a colocou no foco da mídia. A autorização, por parte do Ministério da Cultura, da captação de R$1,3 milhão para o projeto "O Mundo Precisa de Poesia" trouxe a tona não só o nome da cantora mas, também, a forma como as leis de incentivo são executadas atualmente. Para quem estava em Júpiter nesta semana, a ideia é a publicação de um vídeo por dia, durante 365 dias, em um site no formato de blog, onde serão recitados, por Bethânia, textos em prosa e poesia de escritores de língua portuguesa.
A polêmica começou com a Mônica Bergamo, em seu blog na Folha de São Paulo. Chegada em uma história que rende boas fofocas, a jornalista minimizou o projeto de Bethânia, chamando-o, simplesmente de blog. Criou-se aí um frenesi a respeito do 'blog mais caro da história', que será 'patrocinado por dinheiro público'. Como meto a colher, me dou o direito de colocar minha humilde opinião nessa roda.
O projeto "blog"
Talvez o grande erro de toda esta história foi como o projeto foi divulgado. Ao denominar o trabalho a ser realizado de 'blog', houve uma minimização da real dimensão do que será realizado. A começar é um projeto de audiovisual. Como o nome já diz, audiovisual engloba sons e imagens. Para se realizar um trabalho descende neste ramo, são necessários equipamentos de qualidade, que não são baratos. Como é inviável criar uma produtora, mesmo com R$ 1,3 milhões de reais, é necessário a contratação de uma empresa do ramo. E, é claro, elas não são altruístas ou filantrópicas. Para exemplificar, o o custo de produção para a criação de um vídeo institucional de 5 minutos para a empresa onde trabalho (de médio porte) foi orçado em R$ 25.000,00.
Tirando-se isso, há custos operacionais (telefone, provedor, hospedagem, etc.) e da equipe de realização do projeto: roteirista, diretor, coordenador de produção, assessoria de comunicação. Não entrarei nem no mérito dos direitos autorais. Afinal os detentores destes direitos costumam solicitar remuneração para ceder o conteúdo.
A estética de Bethânia
Embora eu não seja fãzaço, sei da história, da importância e do potencial de Maria Bethânia. Não é a toa que ela é considerada uma das maiores intérpretes nacionais vivas. O fato de eu gostar ou não, é o meu gosto e diz respeito, adivinhem? À minha pessoa (tãdã). No mais, tenho até um apreço pela excelência que ela dá às suas interpretações. E se eu apenas um Zé Ninguém metendo o bedelho nessa história, deixo aqui uma palavrinha do Jorge Furtado, que tem um 'pequeno' know how quando o assunto é audiovisual.
De outra parte, é louvável a intenção dela de divulgar poesia pela internet. Se fosse eu - um quase fanho - ou algum gago qualquer, soaria ridículo. Agora alguém que tem história é outro papo. No mais, poesia deve ser repassada ao maior número de pessoas possíveis, visto que toda a arte é feita para o público. Essa história de que arte é uma manifestação destinada APENAS à satisfação pessoal é uma das maiores balelas que eu já tive a oportunidade de escutar - e escutei inúmeras vezes. Senão, livros não deveriam ser lidos, filmes engavetados antes de serem exibidos e músicas nem deveriam ser gravadas ou executadas. Se o artista propõe uma interpretação (seja ele autor ou simplesmente reprodutor), a assimilação é de quem recebe a mensagem. Isso é básico em qualquer área: interpretações são subjetivas e baseadas nas experiências pessoas e de contexto.
Uma lei a ser revisada
É fato que as leis de incentivo à cultura devem ser revistas e alteradas. Isso inclui, obviamente, a Lei Rouanet. O grande furo desas legislações, me parece, entra no momento da captação da verba. Milhares de projetos são aprovados pelo Ministério da Cultura todos os anos. Poucos, no entanto, conseguem arrecadar o que foi autorizado. Imaginem que o Fagner aqui decide criar um projeto audiovisual que custará em torno de R$ 1 milhão. O projeto é aprovado, como o da Bethânia. Só que o Fagner é o mosquito do cocô do cavalo do bandido e a Bethânia uma das artistas de maior visibilidade no Brasil. Os dois no páreo, é hora de bater perna e portas para conseguir grana na iniciativa privada. Qual dos dois projetos dará mais visibilidade aos financiadores? Quem vai preferir dar essa grana para mim em detrimento da cantora? Acho que as respostas são simples, não?
Por outro lado, existe o desconhecimento de muitos sobre a forma como a lei funciona. As empresas e, importante ressaltar, as pessoas físicas também, podem destinar parte do imposto de renda devido à projetos culturais, sociais ou esportivos. Isto quer dizer que, ao invés de o financiador pagar o fisco, ele destinará o dinheiro diretamente para o projeto de sua preferência. O mais interessante disto tudo é que as pessoas gostam tanto de falar que o imposto é dinheiro delas, afinal, foram elas que arcaram com os valores. Porque, então, os impostos pagos pelas empresas são considerados do governo? É interessante pensar se não há uma incoerência neste tipo de visão.
Aos que ainda têm dúvidas sobre o projeto, e quer comprovar na ponta do lápis se ele é superfaturado ou não (coisa que eu não fiz), ele está disponível aqui.
Um comentário:
Mas ah, Nego Fagner. baita politico e as vezes paga uma de anarquista. Muito bom cara, sacudiu ate minha opinião a respeito do assunto. valeu mano,me livrou de ser (como dizia: Saramago) - Vitima do pensamento único, refém de uma história absoluta.
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