domingo, 20 de fevereiro de 2011

Parabéns, Kurt - ou - Como descobri que sou rebelde

Como a grande maioria dos não religiosos, fui crismado. Afinal, aos 14 anos, quase ninguém sabe muito bem o que quer da vida e acaba cedendo a algumas pressões familiares. O fato de ser untado a óleo não me traz prazer nem desgosto, mas me remete ao meu padrinho de crisma. Ele era namorado da minha mãe, na época. E, por mais que, até hoje, ela insista que eu não gostava dele, guardo muito carinho.

Lembro que, na falta de um pai, ele foi o primeiro cara para quem eu mostrei meu pau e perguntei se aquela 'pelezinha' envolta da 'cabeça' era normal. Também foi dele que ganhei minha primeira camisinha. Mas, enfim, isso é papo pra outro dia.

Outra coisa que recordo, foi que ele, durante anos, bancava minhas edições da revista Showbizz (que antes era só Bizz, depois terminou e agora tem o nome original, novamente). Foi lá que eu comecei a me interessar mais profundamente por música. Acho que tinha uns 11 ou 12 anos. Todo o santo mês ele me dava R$ 5 e eu ia até a banca de revistas saciar meus desejos.

Foi pela Showbizz e pela MTV - que surgia no Brasil -, que eu formei boa parte do meu gosto musical e, porque não dizer, da minha maneira de pensar e encarar o mundo. Tudo isso alicerçado pelo meu padrinho, claro.

Um dia, ele chegou pra mim e falou sobre um tal de Nirvana. Ele brincava, chamando de "Iguana". Disse que talvez seria um pouco pesado pra mim. Fiquei curioso, é claro. Lembro que era "Iguana" pra cá e pra lá. Eu precisava saber o que era esse tal de Nirvana.

Foi num Top 10, programa da MTV, apresentado pela Sabrina Parlattori, na época, que ouvi, pela primeira vez, Smells Like a Teen Spirit. Aquilo era, tipo, uma coisa absurda, pra mim. Um loirinho franzino com uma voz de nada, tocando o terror junto de um monstro russo e um cabeludo. Na época eu começava a escutar U2, Led Zeppelin e Queen. E, mesmo não conseguindo superar Bono e turminha, o loirinho estava em outro patamar. Ele tinha uma coisa estranha. Uma forma de encarar as câmeras que, na época, eu sentia mas não sabia explicar.

Um dia ganhei R$ 10. Meu padrinho disse que poderia ficar com o troco. Comprei minha edição da revista e um CD pirata: From the Muddy Banks of the Wishkah. Aquele som era bizarro. Eu ainda não conhecia punk rock, além dos Ramones e, não percebi o que era no momento.

Hoje percebo a raiva da vida, transmitida em forma de deboche, que Kurt Cobain tinha. Um certo nojo de tudo aquilo que ele via, ouvia e sentia. Tudo aquilo transformado em música e rebeldia. Em acordes distorcidos, letras agressivas e muitos berros e afrontas.

Essa postura não salva alguém tão perdido quanto ele. Depois, quando escutei Nevermind, Bleach e In Utero (sim, nesta ordem), me dei conta de que eu sentia por ele aquele sentimento que eu sempre digo que é impossível renegar. A IDENTIFICAÇÃO. Eu estava ali, nos lamentos, nas distorções. Nos excessos e naquela sensação de estar preso a algo que não é nosso.

Era um adolescente na época e, como já disse, não percebi isso conscientemente. Mas hoje eu sei. Kurt me ensinou, mais que qualquer outro maluco e ídolo, que algumas pessoas nascem para extrapolar e que tentar fugir disso é tão eficaz quanto tentar derrubar um prédio com atirando bolinhas de massa de modelar.

Hoje ele completaria 44 anos. Mas nos deixou cedo demais. Esse era o destino dele. Além de 'ensinar' a multidões que existem coisas das quais não podemos fugir. Para o bem e para o mal, Kurt Cobain, foi um dos caras que contribuíram para a formação do que eu sou hoje. Me ensinou, principalmente, que mesmo vivendo no limite, é preciso ter cuidado, para poder atingir uma plenitude que ele, infelizmente, não conseguiu.

Spank Thru - live @ Tijuana, Mexico

Polly (From the Muddy Banks of the Wishkah)

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