sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Santo Pó/P e o cisne que ressurge

Foi com grande surpresa que recebi o convite para o lançamento do livro Santo Pó/P, do meu brother Everton Cidade em parceria com Gabriel Renner, em uma pizzaria granfina de São Leopoldo. Poeta de mão cheia, com textos que, ouso dizer, poderiam ser eternizados, o Cida sempre foi uma figura de altos e baixos. Nos picos, era incrível. Nas fossas, inacreditável. Dois adjetivos que valem tanto para as coisas boas e más da vida. Assim ele é. Agora em momento altíssimo. Não tenho muitas palavras para descrever meu sentimento antes, durante e após o coquetel de lançamento do livro, na terça-feira (evento, diga-se, digno de um artista recomposto, que, depois de muito tempo na lama, redescobre a alegria de viver). Como sempre fui muito sincero com ele, farei o mesmo aqui. Eu não acreditava que esse livro – prometido desde que lembro de conhecê-lo – realmente se tornaria realidade um dia. E vale cada segundo dispendido para a leitura. A obra representa, para mim, o ressurgimento de um grande artista, o reerguer do cisne outrora derrotado.
Amanhã tem mais lançamento, dessa vez na Casa da Traça, um dos espaços alternativos de agitação cultural de Porto Alegre que, dizem, é dos melhores (ainda não tive a oportunidade de conhecer). As infos, no cartaz acima. Deixo, também, o poema Lázaro, talvez o mais emblemático do Cida, já que ele já está correndo mundo pela internet, mesmo. Então separem 5 pilas, apareçam e aproveitem, de lambuja, um pocket show da Siléste, novo projeto do Cidade com o Leozinho, o Cris e Madger. Recomendo!

LAZARO
 1.
 Sou lazaro
 O fracasso branco
 Fodendo no banco
 De trás do teu carro
 Sou Lazaro vivo
 Entre os mortos
 E morto entre os vivos
 Sou o produto
 Único e inquestionável
 De anos de facismo
 Católico e capitalista
 Sou o único infeliz
Com a bondade e seu
 Preciosismo do consumo
 Direto e adulto
 Sou Lázaro
 O fracasso branco
 O grande fracasso branco
 Com bom gosto
 E mãos de santo
 Machucadas com pelúcia
 E costuradas com pelúcia
 Numa emergência de
 Hospital público
 Sou a ciência
 Sou também a violência
 Nos milagres que publico
 Como meus,
 Mas que são teus
 Porque todo que sou
 Tudo que penso que sou
 Que nego que sou
 É teu e apenas teu
 Pois, sou Lázaro
 O fracasso branco
 Sou a garganta
 Que se fez autofalante
 Do que tua voz menda
 Sou quem te canta
 Com mel e azeite
 Com menta e marzipan
 Com aftas na língua
 Com enfeites baratos
 De lojas de rodoviária,
 De botecos, de camas,
 Onde, apesar do toque,
 Nossos sexos permanecem
 Secos, miúdos, à míngua,
 De beijos
 De hóstias
 De rezas
 Que revelem
 Cristo
 Entre os mortos
 Porque não há morte.
 Há distância apenas.
 Há rejeição apenas.
 E falta de ar
 A alegria há
 Mas a tão duras penas
 Que melhor é abandonar
 A felicidade pela
 Comodidade
 De apenas dormir,
 Comer, dormir, acordar,
 Sou medíocre como são
 Todos os meus,
 Mas eles
 Ainda tem o amor como benção
 Para mim o que sobrou senão
 O dom mal usado da pregação
 E da escrita ruim
 E que desperdícios os atos de amor
 Que cometeram por mim
 Que grande energia
 Desperdiçada com
 Essa máquina com
 Essa máquina de desgosto
 Que sou, essa piada
 Essa alma descarrilada
 Sobre girassóis e bíblias
 Sobre poesias de colégio
 Revistas pornográficas
 E quem me dera, quem me dera
 Ter eu, ainda, forças
 Pra mais um sacrilégio
 O último dessa minha visa
 De asma e fossas.

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