Foi com grande surpresa que recebi o convite para o lançamento do livro Santo Pó/P, do meu brother Everton Cidade em parceria com Gabriel Renner, em uma pizzaria granfina de São Leopoldo. Poeta de mão cheia, com textos que, ouso dizer, poderiam ser eternizados, o Cida sempre foi uma figura de altos e baixos. Nos picos, era incrível. Nas fossas, inacreditável. Dois adjetivos que valem tanto para as coisas boas e más da vida. Assim ele é. Agora em momento altíssimo. Não tenho muitas palavras para descrever meu sentimento antes, durante e após o coquetel de lançamento do livro, na terça-feira (evento, diga-se, digno de um artista recomposto, que, depois de muito tempo na lama, redescobre a alegria de viver). Como sempre fui muito sincero com ele, farei o mesmo aqui. Eu não acreditava que esse livro – prometido desde que lembro de conhecê-lo – realmente se tornaria realidade um dia. E vale cada segundo dispendido para a leitura. A obra representa, para mim, o ressurgimento de um grande artista, o reerguer do cisne outrora derrotado.
Amanhã tem mais lançamento, dessa vez na Casa da Traça, um dos espaços alternativos de agitação cultural de Porto Alegre que, dizem, é dos melhores (ainda não tive a oportunidade de conhecer). As infos, no cartaz acima. Deixo, também, o poema Lázaro, talvez o mais emblemático do Cida, já que ele já está correndo mundo pela internet, mesmo. Então separem 5 pilas, apareçam e aproveitem, de lambuja, um pocket show da Siléste, novo projeto do Cidade com o Leozinho, o Cris e Madger. Recomendo!
LAZARO
1.
Sou lazaro
O fracasso branco
Fodendo no banco
De trás do teu carro
Sou Lazaro vivo
Entre os mortos
E morto entre os vivos
Sou o produto
Único e inquestionável
De anos de facismo
Católico e capitalista
Sou o único infeliz
Com a bondade e seu
Preciosismo do consumo
Direto e adulto
Sou Lázaro
O fracasso branco
O grande fracasso branco
Com bom gosto
E mãos de santo
Machucadas com pelúcia
E costuradas com pelúcia
Numa emergência de
Hospital público
Sou a ciência
Sou também a violência
Nos milagres que publico
Como meus,
Mas que são teus
Porque todo que sou
Tudo que penso que sou
Que nego que sou
É teu e apenas teu
Pois, sou Lázaro
O fracasso branco
Sou a garganta
Que se fez autofalante
Do que tua voz menda
Sou quem te canta
Com mel e azeite
Com menta e marzipan
Com aftas na língua
Com enfeites baratos
De lojas de rodoviária,
De botecos, de camas,
Onde, apesar do toque,
Nossos sexos permanecem
Secos, miúdos, à míngua,
De beijos
De hóstias
De rezas
Que revelem
Cristo
Entre os mortos
Porque não há morte.
Há distância apenas.
Há rejeição apenas.
E falta de ar
A alegria há
Mas a tão duras penas
Que melhor é abandonar
A felicidade pela
Comodidade
De apenas dormir,
Comer, dormir, acordar,
Sou medíocre como são
Todos os meus,
Mas eles
Ainda tem o amor como benção
Para mim o que sobrou senão
O dom mal usado da pregação
E da escrita ruim
E que desperdícios os atos de amor
Que cometeram por mim
Que grande energia
Desperdiçada com
Essa máquina com
Essa máquina de desgosto
Que sou, essa piada
Essa alma descarrilada
Sobre girassóis e bíblias
Sobre poesias de colégio
Revistas pornográficas
E quem me dera, quem me dera
Ter eu, ainda, forças
Pra mais um sacrilégio
O último dessa minha visa
De asma e fossas.
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